Padre Paulo Ricardo fala sobre a atual crise no clero e o
que podemos fazer em relação a esta crise. Meus queridos irmãos e irmãs, chegamos ao momento mais
importante do nosso dia, no qual nos dedicamos a uma meditação detida,
demorada, tranquila, a respeito do método de consagração a Virgem Santíssima,
segundo São Luís Maria Grignion de Montfort. Estamos no décimo terceiro domingo
do Tempo Comum, no qual gostaria de fazer uma reflexão sobre o Evangelho de
Hoje e logo em seguida fazer a ligação com a Virgem Santíssima. O Evangelho de
hoje é o capítulo décimo de São Mateus.
Mateus dividiu o seu Evangelho em cinco grandes discursos. O
primeiro é dirigido aos discípulos como um todo. Esses ouvem o belíssimo Sermão
da Montanha: “Bem-aventurados os pobres no espírito, porque deles é o Reino dos
Céus…” (Mt 5-7). o Segundo discurso é este que nós acabamos de ouvir o trecho,
no qual Jesus envia os seus discípulos em missão (Mt 10). Aqui surge uma nova
qualidade de discípulo. Não são os discípulos comuns, mas são os Apóstolos, ou
seja, Jesus tinha discípulos, os fiéis em geral. Mas, aqui Jesus escolhe doze
Apóstolos, como apostoloi. Apostolós, em grego, quer dizer enviado, no sentido
de enviado que representa aquele que enviou.
Quem são esses apóstolos nos dias de hoje? O que fazer em
meio à crise que vivemos?
Existem dois verbos em grego para dizer envio. Um é o verbo
temto, que quer dizer somente enviar. O outro é o verbo apostello, que quer
dizer enviar em missão como representante.
Quando se envia um embaixador para
outro país, este representa o país inteiro e uma ofensa a ele significa uma
ofensa ao país. Porque ele não representa ele mesmo, mas é uma pessoa símbolo.
O Apóstolo é uma pessoa símbolo. Ele representa Jesus, conforme nós acabamos de
ouvir a proclamação: quem vos recebe, a mim recebe e quem me recebe, recebe
aquele que me enviou (cf. Mt 10, 40). Quem me recebe, recebe aquele que me
apostello, em grego.
Jesus é o grande Apóstolo do Pai, aquele que representa o
Pai e os Apóstolos representam Jesus. Na Igreja nós temos esse dois tipos de
fiéis em geral e os Apóstolos, os Bispos, os Padre, os Diáconos, que são homens
que representam Jesus. Esse foram escolhidos. O Evangelho de São Marcos diz:
Jesus escolheu os doze, escolheu aqueles que Ele quis (cf. Mc 3, 13-14). Eu
sempre me perguntei e este é um dos grandes mistérios que sempre acompanhou a
minha vida: que critério Jesus usou para escolher esses Apóstolos benditos. Um
critério muito estranho. Acho que reitor nenhum escolheria como seminarista a
Judas. Reitor nenhum do mundo ordenaria Judas. No entanto, Jesus, o melhor
reitor do mundo, aquele que sabia de tudo, escolheu Judas. Escolheu com
critérios muito estranhos. Jesus escolheu e parece que, nos nossos critérios
humanos, fez escolhas muitos más. Porque, se você fizer um balanço geral, de
doze Apóstolos, na hora da provação e da cruz, somente um que permaneceu fiel
aos pés da cruz.
Eu não sei porque Jesus fez isso, é um mistério. No entanto,
nós sabemos que Jesus não faz nada à toa e eu suspeito (aqui já é minha opinião
de teólogo) que quando escolheu os doze, talvez os tenha escolhido parta
preparar a Igreja para os tempos de provação e de crise no clero. Porque nós,
fiéis cristãos católicos, somos chamados a ser muito humildes, a ponto de nos
inclinar para beijar a mão de um pecador e reconhecer nessa mão, a mão chagada
de Cristo ressuscitado. Vejam, se Jesus tivesse escolhido super Apóstolos,
gente maravilhosa, fiel, santa, talvez hoje nós estaríamos com uma dificuldade
ainda maior. Porque, nós olharíamos para aquelas escolhas que Jesus fez e
olharíamos para os Padres e Bispos que temos hoje e diríamos: está diferente,
caiu a qualidade, a Igreja está em crise. Mas, nós olhamos os Bispos e Padres
de hoje e olhamos para os Apóstolos que Jesus escolheu e dizemos assim:
continua a mesma miséria de sempre, porque somos, fundamentalmente, traidores
da missão.
O Evangelho de hoje inicia dizendo: “quem ama pai ou mãe
mais do que a mim, não é digno de mim” (Mt 10, 37); quem não toma sua cruz não
é digno de mim (cf. Mt 10, 38). Os Padres e Bispos que temos na Igreja hoje não
são dignos Dele. Eu não estou falando de outros Padres e Bispos, estou falando
de mim, que sou Padre e tenho a grande vantagem de poder falar mal dos Padres
porque sou Padre. Não estou fazendo isso por ressentimento. A história do
fracasso dos doze Apóstolos é a história do fracasso do clero católico ao longo
da história da Igreja.
Sempre foi assim, uma miséria. Por isso, todo bom e sadio
católico tem sempre um pouco de sadio anti-clericalismo, ou seja, nós fiéis
cristãos católicos, sabemos o valor do sacerdócio de Nosso Senhor, sabemos como
é importante um Padre, por isso nós nos inclinamos em veneração e beijamos
aquela mão do Ressuscitado na mão de um miserável. Porém, nos sabemos que um
Padre, ou que um Bispo é um homem com a alma em perigo. Por isso, não confiamos
demais em Padres e Bispos. A gente fica até admirado quando vê Padre e Bispo
santo. O mundo pode fazer as acusações que quiser, nós católicos vamos
continuar beijando as mãos dos Sacerdotes, por mais pecadores que sejam, nós
continuaremos assim porque essa é a nossa fé. Porque cremos que eles não são
eles. Nós cremos que quem recebe o Padre, recebe Jesus e quem recebe Jesus
recebe Aquele que O enviou (cf. Mt 10, 40). Essa é a nossa fé.
Diante desta fé e desta miséria, nós temos uma grande
batalha. Esta batalha está descrita por Jesus na última ceia. O Evangelho de
São Lucas diz com toda a clareza. Jesus olha para São Pedro e diz: Pedro,
Pedro, Satanás pediu permissão para peneirar-vos como trigo (cf. Lc 22, 31). A
ideia que está por trás é de um julgamento. Deus é o juiz e Satanás é o acusador.
Satan que dizer isso: acusador. Quem é aquele “vos” que está na mesa com Jesus?
São os Padres e Bispos. Satanás pediu permissão para peneirar-vos, ó Apóstolos,
ó Padres e Bispos. Pelo jeito ele recebeu a permissão, do jeito que estamos
feios na foto. Olha o saldo geral dos Apóstolos, peneirados por Satanás: um
traiu e se enforcou; outro negou três vezes; outros nove deram no pé e só
Joãozinho, não se sabe se por virtude ou porque todo jovem é meio maluquinho, é
que ficou aos pés da cruz.
O saldo não foi muito positivo. No entanto, Jesus não para
por aí. Ele diz assim: porém, eu roquei por ti (cf. Lc 22, 32). Não existe só o
acusador, Satanás. Existe eu defensor, Jesus. Ele é o advogado de defesa. Ele é
o Paráclito, junto com o Espírito Santo e Ele diz: eu roguei por ti, Simão
Pedro. Tu, quando te converteres, confirma os teus irmãos. Jesus está aqui
dando uma chave para os Padres e Bispos e dizendo assim: meus irmãozinhos,
quando vocês estiverem numa situação feia, numa situação complicada, saibam de
uma coisa, eu roguei por Pedro, eu roguei pelo Papa e ele vai confirmá-los na
fé. Se Jesus rezou pelo Papa, vamos também nós rezar por ele. Porque nós
precisamos da confirmação deste homem, precisamos de Pedro que venha para
confirmar a fé dos Padres e Bispos que precisam desta confirmação. Porém, a
coisa não para por aí. Tem João, Joãozinho, o Padre fiel, que não se sabe se
por virtude ou por descuido ficou lá ao pé da cruz.
Quem será este percentual de Padres fiéis, que ficam ao pé
da Cruz? São aqueles que recebem Maria por Mãe. O Padre que recebe Maria em
casa. Jesus, no seu testamento final, nas últimas palavras registradas na cruz
diz isso e vamos considerar que as palavras que ele diz na cruz são palavras
pensadas e repensadas. Ele não está em condições de fazer nenhum sermão. Então,
para falar ele tinha que ser erguer nos seus braços e nas suas pernas para
poder respirar direito e isso era intensamente doloroso. Porque nas mãos e nos
pés temos os terminais nervosos mais sensíveis do nosso corpo. Por isso, é
intensamente doloroso e com aquela dor lancinante, Jesus se ergue e pronuncia:
filho, “Eis a tua mãe!” (Jo 19, 27), “Mulher, eis o teu filho!” (Jo 19, 26).
Ao pronunciar isso, Jesus está recordando uma mulher que
fora prometida, uma profecia. Uma mulher que desde a primeira página desastrada
da história da humanidade tinha sido prometida, quando Deus disse: “Porei
inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te
ferirá a cabeça” (Gn 3, 15). Esta mulher era prometida desde o início, esta
mulher é Maria, a nova Eva. Assim como Eva desobedeceu a Deus no pé de uma
árvore, Maria obedeceu a Deus no pé da cruz, a outra árvore. Assim como Eva
pecou, tomando o fruto proibido, Maria obedece a Deus nos dando, nos entregando
o fruto de seu ventre. Assim como Eva era virgem e imaculada, e se perdeu,
Maria, Virgem e Imaculada obedeceu e teve fé até o fim.
Meus queridos, quando Jesus ressuscitou ao terceiro dia, Ele
apareceu aos Apóstolos. Existe uma aparição toda especial para São Pedro. O Senhor
ressuscitou verdadeiramente e apareceu a Simão (cf. Lc 24, 34). Exatamente
porque aquele Pedro, que foi peneirado por Satanás, quando ele retorna, ele tem
que confirmar a fé dos seus irmãos. Por isso, Jesus aparece especialmente para
Pedro, para o primeiro Papa, para que ele confirme a fé dos seus irmãos. Essas
aparições eram para confirmar a fé daqueles que tinham desesperado, perdido a
fé. Jesus os confirmava. Porém, a Tradição nos conta, mas não está na Bíblia,
que havia uma aparição especial de Jesus a Maria.
A primeira pessoa que Jesus procurou depois de ressuscitado
foi a Virgem Santíssima. Essa aparição a Maria não está na Bíblia por uma razão
muito simples. As aparições que estão na Bíblia são para confirmara fé, como
testemunha daqueles que tinham perdido a fé. São aparições públicas para
testemunhar a fé pública. A aparição a Maria não está na Bíblia porque ela não
tinha perdido a fé, por isso, ela não precisava de uma aparição. O Filho dela
apareceu a Maria para consola-la com a sua Ressurreição. Não precisava
confirmara sua fé porque ela jamais vacilou.
Maria, que jamais vacilou na fé, é aquela que recebe João, é
aquele os Sacerdotes, é aquela que recebe os Bispos, é aquela que recebe os
Apóstolos em casa, é aquela que recebe todos os fiéis cristãos em casa, para
confirmá-los na fé que ela tem, e que diz: vai passar, este mal passará, este
mal terrível, esta crise, esta tempestade, que faz com que o barquinho da
Igreja esteja cheio de água, esta crise terrível passará. Jesus parece dormir na
popa do barco (cf. Lc 8, 23), mas Ele se ergue e ressuscita quando é o momento
Dele. Nós somos chamados hoje a entregar, a confiar todos os sacerdotes ao
Coração Imaculado de Maria, da mesma forma que Jesus entregou o sacerdote São
João, aos pés da cruz.
No Seu discurso aos Apóstolos, Jesus diz: quem não toma a
sua cruz não é digno de mim (cf. Mt 10, 38). O que fazem os Apóstolos diante da
cruz? Fogem diante dela e mostram que não são dignos Dele. Nenhum Padre é digno
de Jesus, assim como nenhum Bispo é digno de Jesus. Nós precisamos nos dar
conta que, mesmo nesta indignidade, Ele nos confirma. Eu roguei por ti.
Quando
te converteres, confirma os teus irmãos (cf. Lc 22, 32), Ele reza por nós.
Maria, a Mãe Santíssima é aquela a qual Ele confia os Sacerdotes para que eles
voltem à fé. Para que eles continuem firmes na fé, para que eles se entreguem e
sejam dignos Dele. Quando Jesus entrega João a Maria, Ele está entregando todos
os fiéis, mas vamos nos lembrar que ele não era um discípulo qualquer.
João era um Apóstolo, um Sacerdote, portanto, filho
predileto da Virgem. E, nós precisamos que os Sacerdotes se entreguem como
filhos prediletos a Virgem Maria, porque estamos no calor da batalha, estamos
na frente de batalha. A vida de todos os cristão são uma luta, mas para os
Sacerdotes de forma especial, porque estes são provados. Pedro, Pedro, Satanás
pediu para peneirar-vos como trigo. Eu, porém, roguei por ti. Confirma teus
irmãos (cf. Lc 22, 31-32). Nós temos, como Padres, estas duas colunas que nos
ajudam: o Papa (“confirma os teus irmãos” Lc 22, 32) e Maria (“eis o teu
filho!” Jo 19, 26).
No momento da crise sacerdotal, é a fidelidade ao Papa e a
devoção a Maria que resgatará os sacerdotes da miséria. Por isso, meus irmãos,
joelho no chão pelos Padres. Terço neles, para entregá-los ao Coração de Maria,
porque a Igreja está em crise e esta é uma crise sacerdotal, é uma crise do
clero, dos padres, dos bispos. A Virgem Santíssima nos recebe a cada um de nós.
Eu não tenho dúvida que ela receberia Judas, se ele quisesse entrar na casa
dela. Ela nos recebe como coisa e propriedade dela, como filhos prediletos. Por
isso, nossa consagração à Virgem deve alavancar essa consagração desses
numerosos sacerdotes, que serão esse exército da Virgem Maria. Com a fidelidade
a Pedro, que confirma os irmãos e a Maria aos pés da cruz, se Deus quiser, com
os Padres do mundo inteiro, iremos ajudar a Igreja a sair desse momento de
angústia. Rezemos meus irmãos, confirmemos a nossa fé, continuemos firmes e
confiantes, não estamos sozinhos, ela está conosco.
Este artigo foi retirado da homilia do Padre Paulo Ricardo
no I Consagra-te de Cuiabá, em 2011.